A história por vezes prega partidas. Afinal, o primeiro veículo de quatro rodas da Honda não foi o desportivo S500 — sim, também ficamos surpreendidos.
O Honda S500 como segundo automóvel da Honda
É quase senso comum que a entrada da Honda nas quatro rodas se deu em 1963 com o S500, um pequeno desportivo aberto de dois lugares, que lançaria as bases para tudo o que apreciamos na Honda, especialmente no que às suas motorizações diz respeito.
Apesar do pequeno S500 ter sido o segundo veículo automóvel da Honda, por baixo do seu capot residia um diminuto — apenas 531 cm3 — quatro cilindros em linha que galgava rotações como poucos, com a potência máxima de 44 cv a ser atingida a umas gritantes 8000 rpm — e nem “um” VTEC à vista.
Por isso, apenas um dos dois factos que referimos está correto — 1963 foi o ano em que a Honda iniciou a comercialização do seu primeiro veículo automóvel, mas esse automóvel não foi o S500, apesar de ter sido lançado no mesmo ano.
Quatro meses antes do lançamento do S500, em junho de 1963, a Honda estreava-se no mercado com o seu primeiro “quatro rodas” e não podia ser mais diferente. Não se tratava de um carro familiar ou de um citadino, e nesta altura o termo SUV ainda não tinha sido cunhado.
O primeiro automóvel da Honda: uma pick-up
T360 era o seu nome, com “T” a significar “Truck” (camião) e 360 a capacidade do motor, ou seja 360 cm3, mais precisamente 354 cm3. Pelo tamanho do motor, como devem imaginar, esta pick-up também era diminuta. Tinha apenas 2,99 m de comprimento, 1,29 m de largura e 1,55 m de altura — um carro de cidade atual adiciona 60 cm ou mais ao comprimento e 30 cm ou mais à largura.
Porquê tão pequena, tanto em dimensões como em motor? Era a única forma de ser classificada como um kei car japonês que, tal como hoje, traz vários benefícios, incluindo ao nível da tributação.
O motor digno de um desportivo
Mas não desdenhem a pequena T360, pois apesar de ser uma pick-up em ponto pequeno, era, acima de tudo, um Honda. Toda a experiência acumulada nas duas rodas e também na competição seria aplicada neste pragmático mini-veículo de trabalho.
O motor que a equipava – AK250E – não o podia demonstrar melhor. O motor era pequeno em tamanho, mas grande em desempenho. Parecia concentrar mais tecnologia por centímetro cúbico do que qualquer outro motor equivalente da altura.
Feito em alumínio, o AK250E era um quatro cilindros em linha, arrefecido a água, com um carburador por cilindro e duas árvores de cames à cabeça. Este pequeno bloco debitava 30 cv às 8500 rpm, repito, 8500 rpm. São 84 cv/l, um valor muito elevado para a altura, mesmo quando nos referimos a carros desportivos. Compare-se com a concorrência nos kei cars, obrigatoriamente com 360 cm3, que recorria a motores de dois cilindros, a dois tempos e refrigerados a ar. O AK250E conseguia ser o mais potente e o mais sofisticado entre eles todos.
O motor na T360 estava posicionado longitudinalmente em posição central — mas rodado a 90º com os cilindros na horizontal —, por baixo do banco do condutor, servindo também de acesso ao mesmo. A tração era traseira… Recapitulemos: uma pick-up com motor em posição central, tração traseira e um motor capaz de fazer 8500 rpm.
Como um motor destes acabou numa pick-up
Temos de recuar um ano até 1962 e ao Salão de Tóquio, onde a Honda apresentou os seus três primeiros veículos automóveis. A T360 era um deles e, como já vimos, chegaria a meio do ano seguinte. No entanto, todas as atenções estavam focadas, naturalmente, no par de roadsters S360 e no Sports 500.
O Sports 500 antecipava o S500 a chegar um ano depois, não sendo muito mais que um protótipo pré-produção. O S360, mais curto e com motor mais pequeno, era classificado como um kei car — o seu equivalente atual seria o S660 —, mas nunca chegaria a ser produzido. O motor — capaz de gritar às 9000 rpm —, no entanto, encontraria “refúgio” na T360.
É como se pegássemos no motor do Honda S2000 e o colocássemos numa pick-up ou carrinha de caixa aberta atual! A lógica escapa-nos, mas não conseguimos fugir ao poder de atração de tal proposição…
Porquê uma pick-up?
Soichiro Honda certamente favorecia os desportivos para a sua entrada no mundo automóvel, mas foi Takeo Fujisawa, co-fundador da Honda em 1949, mais pragmático, que o convenceu a avançar com o projeto da T360.
Tal como hoje, o mercado dos desportivos é um limitado em volume, ao contrário do bem mais amplo mercado de veículos comerciais — para mais, num Japão que estava em forte crescimento — e os números acabariam por o confirmar: a T360 vendeu mais de 108 mil unidades nos quatro anos da sua comercialização; se contarmos com as vendas acumuladas do S500, S600 e S800 (1963-1970), foram vendidos menos de 26 mil unidades.
A Honda T360 surgiria no mercado em quatro versões: a regular, com caixa metálica; T360F, com caixa de carga plana; T360H, com laterais que podiam abrir-se; e a T360V, com caixa de carga fechada, como uma carrinha. Existiu ainda uma T360 em que as rodas traseiras foram substituídas por lagartas, para ser usada na neve nas regiões mais altas do Japão — é a sua versão mais rara.
Depois do lançamento da Honda T360
A T360 seria acompanhada um ano depois pela mais comprida e possante T500 — perdia o estatuto de kei car —, partilhando o motor com o Honda S500, ainda que numa versão menos frenética (38 cv a “apenas” 7500 rpm), e capaz de carregar 400 kg, mais 50 kg que a T360. Ambos os modelos anunciavam uma velocidade máxima de 100 km/h.
Não conseguimos saber se o plano original implicava o lançamento da Honda T360 em primeiro lugar, ou se foi apenas um acaso, por exemplo, um atraso no desenvolvimento do S500.
A bem do rigor histórico, o que é certo é que a Honda T360, uma pequena pick-up com um muito rotativo motor, foi o primeiro veículo automóvel a ser lançado pela marca japonesa — a realidade supera sempre a ficção…
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